A importância da Libras para a capacidade cognitiva dos surdos
Aluna da Unicamp publica estudo sobre a importância da Libras para a capacidade cognitiva dos surdos, para ela a Língua Brasileira de Sinais deve ser introduzida desde a primeira infância.
A dissertação com base na neurolinguísta da aluna Júlia Maria Vieira Nader, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), trouxe luz sobre a importância da aquisição da língua de sinais desde a primeira infância pelos surdos e sobre a relação entre surdez e atraso cognitivo.
Segundo Júlia: “A sociedade considera inevitável que os surdos tenham dificuldades de aprendizagem, que tenham uma comunicação ‘truncada’, que tenham um atraso no desenvolvimento e, por isso mesmo, devam ser acomodados em determinados lugares restritos, nos círculos sociais e profissionais”.
A importância da Libras para a capacidade cognitiva dos surdos
Em primeiro lugar, a autora defende a Libras como a língua que pode dar aos surdos todas as possibilidades cognitivas proporcionadas pela linguagem. Em sua dissertação, ela se apoia em uma abordagem sócio-histórico-cultural que entende que as funções cognitivas não estão localizadas em estreitas e circunscritas áreas do cérebro. Assim sendo, estas funções ocorrem por meio da participação de grupos de estruturas cerebrais operando em conjunto, de forma interdependente, dinâmica e plástica.
Além disso a autora utilizou autores como Luria, Bakhtin e Vygotski. A tese foi intitulada: “Aquisição tardia de uma língua e seus efeitos sobre o desenvolvimento cognitivo dos surdos”.
Outro fator que contribuiu para sua pesquisa foi a experiência com crianças e jovens surdos, não-oralizados, que frequentavam o Centro de Reabilitação Gabriel Porto, da Unicamp. Durante aprimoramento profissional, mostrou para a pesquisadora que, de fato, a aquisição tardia torna restritas não só as possibilidades comunicativas da criança em alguns círculos sociais, mas também as possibilidades de aprendizagem de conteúdos veiculados pela língua formal (oral ou de sinais), fundamentais para o desenvolvimento cognitivo. Ao deparar com a realidade de seus alunos, que não eram oralizados, mas também não tinham domínio da Libras, Júlia buscou embasamento teórico para entender as limitações da linguagem gestual caseira para a aprendizagem desses surdos.
O desenvolvimento comprometido pela aprendizagem tardia da Libras
Orientada pela leitura de Vygotsky, constatou que qualquer ser humano que sofra ausência de uma língua apresenta um desenvolvimento cognitivo comprometido.
A pesquisadora apontou ainda que as oportunidades são tardias para quem não adquire uma língua na infância. No entanto, existe a possibilidade de aprendizado em qualquer momento da vida. “Entendemos, a partir dos estudos de Luria, que o cérebro é plástico, dinâmico e está sempre se adaptando. Por outro lado, não podemos negar o que já se sabe sobre os processos maturacionais do cérebro, seus aspectos biológicos e neurofisiológicos”, pondera.
O preconceito contra a Libras
Para Júlia, as questões relacionadas à aquisição tardia de uma língua merecem atenção de estudos neurolinguísticos e neuropsicológicos. Na maioria dos casos, o preconceito com a língua de sinais parte da própria família. “Na maior parte, as famílias acabam buscando o caminho da oralização, que é mais lento e difícil para o surdo”, acrescenta.
A pesquisadora enfatiza que, sem a língua, o surdo não sabe que ele pode dizer mais, restringindo a percepção que ele tem do mundo.
Um dos depoimentos registrados por ela diz o seguinte: “Depois que aprendi a língua de sinais, percebi que eu podia ter o meu próprio pensamento”, descreve um entrevistado.
“Ele quer dizer que não precisa mais só repetir o que alguém pensa, mas ele próprio é capaz de expressar seus pensamentos, ideias, criatividade. A dissertação me permitiu fazer este tipo de reflexão e ver a gravidade e as implicações de uma pessoa não ter uma língua”, reflete Júlia.
Mitos sobre a comunidade surda
A linguista enfatiza que a história dos surdos sempre foi marcada por mitos. No começo achavam que eles tinham atraso cognitivo por serem surdos, pois as pessoas relacionavam surdez à deficiência mental. “Hoje isso não está na teoria, mas, na prática, muitos são tratados assim, já que lhes são garantidos apenas trabalhos técnicos, raramente acredita-se que os surdos possam dar contribuições intelectuais”, reforça Júlia. Ela acrescenta que as limitações cognitivas que alguns surdos apresentam se devem muitas vezes ao fato de não terem uma língua, não pelo fato de serem surdos.
Por muito tempo o surdo ficava isolado na sociedade. Depois surgiram as escolas especiais e, recentemente, estão sendo incluídos na escola regular. Mas para Júlia, é preciso fazer a inclusão também na aprendizagem e, para isso, os professores têm de estar capacitados, pois os alunos acabam saindo prejudicados.
“Se o professor não compartilhar da mesma língua de seu aluno, com certeza a aprendizagem não estará garantida. Não basta apenas uma inclusão social, é preciso haver uma inclusão linguística”, enfatiza.
A pesquisadora acrescenta que os surdos têm todas as condições perfeitas para desenvolvimento cognitivo intelectual como qualquer ouvinte. “Precisam existir políticas linguísticas e educacionais que garantam que eles tenham acesso à língua o quanto antes”, enfatiza.
Fonte: Unicamp
Quer tornar nossa sociedade mais justa e inclusiva? Clique aqui.